Corpo clareira
Sobre o livro
Essa habilidade de habitar outros seres
Há algo na escrita de Carina Carvalho que parece querer alcançar o tempo que não cabe numa linha. Ela então coloca o corpo em jogo, vai desenhando novos traçados, experimentando possibilidades. Talvez por isso faça alianças com os animais, as plantas e o que preenche o invisível, alongando-se para além dos contornos óbvios, afinal, há que se ter flexibilidade no que precede a vertigem. Sua nudez parece ser iluminada pela clareira que acompanha o título do livro. A luz, no entanto, é mais o dissecar daquilo que compõe a existência e menos um espaço de alento. Nesse sentido, a autora é honesta y não promete mergulhos na superfície “puxar do âmago do âmago pontos submersos pra aprender ligeiro a correr perigo”. Essa dança, por vezes abissal, sobe muros, invade calçadas e desabrocha aos olhos atentos. O que sempre me chamou atenção na escrita de Carina foi justamente essa habilidade de habitar outros seres, a capacidade de expandir as possibilidades do corpo e da palavra. Esse alargar das fronteiras me parece um traçado poético que busca a vida possível na aridez da cidade grande, e resiliente, se recria, corpo aberto ao espaço. Corpo clareira convida a encontrar o que de si se torna flor, memória. Sua avó Piedade parece dar a bênção do quem vem antes regando o solo, fechando também os ciclos de quem se reúne ao que dá vida. Luto aqui também é semente. A terra, de que a autora se utiliza para construir seu poemário, é por vezes salgada, como se o mar a convocasse para inventar continentes, para quem sabe enfim “acordar um corpo que, de um alto observatório/ seja paisagem”. – Janaú